
Eu vivia o dia mais triste da minha vida ... Era um dia chuvoso e eu tinha ido buscar o meu avô após mais uma sessão de hemodiálise . Eu estava junto com a minha avó e nós tínhamos acabado de sair do supermercado cheias de geléias de mocotó e farinha láctea : Meu avô precisava engordar um pouquinho.
Não deu tempo ... ele não pode comer nada daquilo e para mim, de forma precoce, ele nos deixou.
Aquele dia nem de longe seria o pior da minha vida ... vários dias tenebrosos foram passando e por momentos eu achava que aquele pesadelo jamais acabaria.
Não fui ao enterro, porém continuei a assistir cenas que nunca mais sairiam da minha cabeça.
Para mim, o pior momento foi ter que desafazer o armário dele e separar todos os ternos para serem dados. Sim ... esta tarefa foi de responsabilidade minha e ninguém percebeu o quanto isto foi terrivelmente doloroso para mim... Não tinha ninguém em casa ... estavam todos no enterro ... e eu só conseguia chorar enquanto retirava as roupas do armário e o perfume que ele mais gostava se espalhava pelo quarto. Foi terrível demais ... Enfrentei tudo praticamente sozinha, pois não podia pedir colo a minha avó que também sofria e muito menos a minha mãe que afundou em um duradoura depressão.
Quando resolvi escrever este post, não era para falar deste momentos negros já que eles felizmente já passaram ... afinal, quando penso no meu avô só consigo me lembrar dos momentos maravilhosos e mais que perfeitos que marcaram a minha infância.
Meu avô era advogado. Um brilhante advogado. E dentre seus clientes estava uma fábrica de doces que ficava no Méier !! Todo Sábado ele passava por lá para resolver algum problema pendente e na volta para casa... após uma tocada de buzina tradicional, eu descia correndo para receber uma bandeja do docinhos e outra de salgadinhos que logicamente nos acompanhariam no almoço de Sábado. Estas bandejas eram as tradicionais ... todo Sábado tinha, porém ... algumas vezes, eu recebia uma caixa com doce de abóbora, aqueles que são durinhos por fora e molinhos por dentro ! Ele sempre levava os doces de abóbora em formato de coração ! E as cocadas ??? Diversas cocadas e com muitos sabores diferentes ...
E o que falar da feira de todos os Domingos ?? Meu avô tinha a capacidade de conhecer todos os feirantes !! Geralmente nós chegávamos na feira às 6:30 hs da manhã e só voltávamos lá pelas 10 hs. Ele experimentava todas as laranjas, mangas, bananas e sempre comprava um biscoitinho para mim e para a minha mãe : Ela ganhava o casadinho de doce de leite e eu escolhia algum outro. Eu nunca fui obrigada a ir a feira ... mas sempre estava lá ... visando os biscoitinhos e os papos advocatícios do meu avô.
As saídas para comprar banana na Estrada Rio - Petrópolis, os passeios para almoços nas casas dos clientes, os jogos da seleção que sempre o mantinham sério e compenetrado enquanto eu e a minha avó gritávamos horrores, as aulas de teatro que ele me dava para quem sabe eu virar atriz de teatro, a soneca no sofá depois do almoço, as horas que ele passava na máquina elétrica digitando longas petições ... tudo isto me faz lembrar dele. Lembranças que me fazem chorar ... um choro de alegria ... um choro por saber que eu tive um grande avô !!!! Um avô que mesmo longe está sempre perto de mim e que tenho a certeza de que me deu a honra de estar ao meu lado no dia do meu casamento.
Eu tive a sorte de ter um avô magnífico que nunca pode me dar grandes presentes, mas me deu grandes lições de amor, carinho, força de vontade e resignação. Ele soube me dar pequenas atitudes que me transformaram em uma grande mulher.
Meu avô foi meu pai ! Um pai que nunca tive ... e se hoje eu choro ... é por saber que pude ficar tão pouco tempo tendo a sua presença física e constante.
Eu vou amar você para sempre !